terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O Centeio de Salinger


*para ler ao som de A Day In The Life - The Beatles

Por Mariana Kaoos

Se pudesse elencar as inúmeras datas que sensibilizaram a humanidade como um todo, na certa, o oito de dezembro de 1980 não poderia ficar de fora. Nesse dia, por volta das 23h, o ícone mundial John Lennon, chegava ao prédio em que morava em Nova York, Edifício Dakota, com sua esposa, Yoko Ono, quando um homem se aproximou e disparou cinco tiros contra o cantor. Dos cinco tiros, um atingiu a janela do prédio, três atravessaram o corpo de John e o ultimo perfurou sua artéria aorta, fazendo-o perder cerca de 80% do seu volume sanguíneo. Nesse mesmo dia, o mundo não só recebeu em prantos a notícia da sua morte, como também conheceu o rosto e o nome do seu assassino: Mark David Chapman.


Mark Chapman.
Após ser julgado pelo crime, em 1981, Chapman foi condenado à prisão perpétua. Quando lhe indagaram o porquê de ter cometido tal atrocidade, uma de suas respostas, talvez a mais curiosa e perturbadora, foi: “Leia O Apanhador no Campo de Centeio e você descobrirá porque o fiz. Esse livro é meu argumento".

Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu nascesse e toda essa lenga-lenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso.

Quando eu era pequena, alguém uma vez me falou que nunca somos nós que escolhemos os livros que iremos ler, são eles que nos escolhem. Eu, que sempre me deixei guiar por nomes e sensações que eles me causam, tive fixação durante toda a minha adolescência por três grandes obras da literatura mundial: A Metamorfose, de Franz Kafka, O Estrangeiro, Albert Camus, e O Apanhador no Campo de Centeio, do escritor americano J. D. Salinger. Esse último, em especial, sempre me tocou de maneira diferente. Talvez pela força do seu título, eu me imaginava sozinha e no vazio de um campo de centeio, em um dia ensolarado. O vento balançando a plantação e causando aquele barulho e trazendo aquele cheiro de campo e eu totalmente entregue a esse momento. Por mais que eu soubesse que o romance não tratava propriamente disso, era essa a sensação que se perpetuava em mim.

Do inúmeros livros que li durante a minha “adolescidade”, eu sequer cheguei perto de algum dos três. Todos continuaram rondando a minha mente inquieta. Agora, nessa fase de incompreensão e indefinição do que eu sou, tive a honra de ter sido escolhida por eles e finalmente lê-los. Mais uma vez O Apanhador foi a experiência mais intensa em mim, só que já não mais pela força do título e sim por toda a poética da narrativa.

J. D. Salinger.
A história aparece através do olhar e das percepções do narrador e personagem principal, Holden Caulfield. No auge dos seus 16 anos, Holden, é um jovem de classe media alta que é expulso do colégio e resolve passar um fim de semana sozinho, em Nova York, antes de voltar para casa. Até aí parece ser um tema banal e qualquer, mas na verdade o romance se destaca justamente por isso. Salinger inova na abordagem, nas indagações perspicazes que o personagem tem durante todo o livro.

 O Apanhador tem como centro uma percepção juvenil acerca da vida, com uma linguagem juvenil. O uso de gírias (“fora de brincadeira”, “no duro”, “bagulho”) e de palavrões (“porcaria”, “merda”, “foda-se”) aproxima o romance da realidade das pessoas dessa faixa etária. A maneira como o personagem é descrito fisicamente (muito magro, com a barba por fazer, da cor branca, cabelos pretos), a forma como ele se porta socialmente (fuma cigarro, bebe uísque, gosta de coca-cola) e a maneira como ele se expressa (através do uso de hipérboles) torna ele um adolescente padrão. Holden Caulfield pode ser eu, pode ser você, pode ser a ambos nós dois. O existencialismo está presente em tudo, seja nos trechos em que ele se relaciona com outras pessoas, seja nos fragmentos em que ele está apenas com seus pensamentos sobre o que ele é, o que gosta, o que quer.

O homem que cai não consegue nem mesmo ouvir ou sentir o baque do seu corpo no fundo. Apenas cai e cai. A coisa toda se aplica aos homens que, num momento ou outro de suas vidas, procuram alguma coisa que seu próprio meio não lhes poderia proporcionar. Por isso, abandonam a busca. Abandonam a busca antes mesmo de começá-la de verdade. Ta me entendendo?.

Publicado originalmente em formato de revista nos anos de 1945-1946, é apenas em 1951 que o romance do escritor americano J. D. Salinger, é disponibilizado em forma de livro e levado ao público. Durante esses exatos 61 anos, O Apanhador No Campo de Centeio influenciou diversas gerações, originando assim, inúmeras criticas a seu respeito e tantas outras obras, seja no campo literário, seja em outros campos. O grupo americano Green Day, faz referência a Holden Caulfield em alguns dos seus álbuns. A banda Pearl Jam tem uma música de nome In Hiding abordando a tentativa de encontrar a casa de Salinger. Uma das primeiras bandas de rock da história, Bill Halley and his Comets, também gravou uma homenagem ao autor através da música Rocking Through The Rye. O filme Teoria da Conspiração, traz Mel Gibson como um lunático (referência a Chapman) que compra todas as cópias de O Apanhador que consegue encontrar. 

“É engraçado. A gente nunca devia contar nada a ninguém. Mal acaba de contar, a gente começa a sentir saudade de todo mundo”.

Quando acabei de ler a última página do romance, fechei o livro, olhei para sua capa cinza com o título em amarelo. Abracei-o. Fiquei em silêncio, parada, inerte, sentindo todas as sensações corporais, emocionais, que Salinger me trouxe através de Holden. Num misto de melancolia, identificação, nostalgia, indagações, meus olhos marejaram de lágrimas pela sensibilidade como o autor humaniza toda a história e nos coloca nesse terreno duvidoso de não sabermos se somos leitores-personagens ou personagens-leitores.

O Apanhador No Campo de Centeio possui 61 anos de idade, enquanto eu tenho apenas 22. Mesmo com essa diferença entre nós, talvez ele se faça muito mais atual e moderno do que eu. Após todo esse tempo, ainda é possível extrair dele situações e indagações inovadoras, ou correspondentes ao meu cotidiano, assim como provavelmente do de outras pessoas. Não gosto de Chapman, não acredito que um romance como esse justifique um assassinato. Não encontrei a resposta para a morte de Lennon em nenhuma de suas páginas, como ele afirmou que estaria. Na verdade O Apanhador vai muito mais além. Ele justifica todas as inter relações humanas, a delicadeza da vida e também o seu vazio.

Com as luzes apagadas e ainda inebriada com todas as palavras, fechei meus olhos. Ouvindo os Beatles, me imaginei com o chapéu de caça que Holden usa, com a sua barba, as suas calças jeans sujas, seu hálito de uísque e cigarro e toda a sua loucura, bem como questionamentos acerca das coisas. O grande apanhador do campo de centeio naquele instante era eu. Apenas fui.

“Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto – quer dizer, ninguém grande - a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer em algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice”.

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