quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Henshin Call

Da vingança dos Nerds à transformação da cultura Otaku: o Henshin 2012 em Vitória da Conquista foi um sucesso.

Por Lucas Oliveira Dantas

Foto: Purki

Naruto, Dragon Ball.

Pokémon!

Cavaleiros do Zodíaco!

Death Note, One Piece, Mortal Kombat.

Foto: Purki
Quando a garota vestida de Mário Zumbi fez a simulação do Super Mario Bros., um dos jogos de vídeo game mais amados da história, a plateia que lotava o teatro do Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima veio abaixo. Tosco? Muito! Mas, acima de tudo, extremamente divertido e excitante!

A grande maioria dos personagens, mangás, animes e games citados naquele desfile de cosplays e “cospobres”, encerrando o 4º Henshin de Vitória da Conquista, me era completamente estranha. Mas, a empolgação da galera a cada chamada era suficiente para adorar aquilo, mais do que minha obrigação jornalística de acompanhar o evento até o fim.

Nunca fui muito afeito à cultura japonesa e só fui descobrir o significado da palavra otaku este ano; minha infância e adolescência foram muito mais “Caça Talentos” e “Malhação”. Mas e daí? Um dos principais preconceitos contra quem curte a cultura de games, mangás/animes e quadrinhos é de que são pessoas que não tiveram infância, ou estão nelas para sempre. Pode ser que sim, mas, de uma certa forma, todos nós temos uns recalques da infância, cristalizados, que levamos até o fim da vida.

E foi isso: a julgar pela empolgação e alegria dos otakus, recalques pareciam distantes desse povo. Talvez porque agora a cultura oriental, em especial a japonesa, esteja não só em voga como em puro auge no mainstream. Ou talvez porque eventos otakus oferecem a zona de conforto de ter seus pares como maioria.

A verdade é que nos dois dias de Henshin, o repórter aqui não só se viu deslumbrado com a despreocupação dessa galera em parecer ridícula aos olhos do mundo, como, em muitos momentos, desejou ser tão “ridículo” quanto.

Foto: Purki

Henshin Call

Foto: Purki
A palavra “henshin” significa transformação em japonês. No universo dos mangás, é quando o personagem se transforma em super-herói. Ao descobrir a história do evento conquistense, entendi porque ele naturalmente se chama Henshin.

Como toda boa iniciativa, ela surgiu do encontro de amigos com o gosto em comum pela cultura otaku. Segundo Ricardo Aleph, um desses amigos originais, o primeiro Henshin foi algo residencial, sem divulgação ampla, apenas a vontade de unir tribos de RPGistas (jogadores de Role Playing Game – o famigerado RPG) e otakus e trocar experiências, há cerca de 5 anos.

Os heróis japoneses que se transformam, geralmente, têm uma frase-chamado, o henshin call, que marca a transformação (traduzindo para “ocidentalês”: quem não se lembra do “é hora de morfar” dos Power Rangers?). Os garotos “reclusos”, como Erick Gomes definiu a si e seus colegas otakus, resolveram proclamar sua henshin call e expandir a ideia do encontro. O Henshin atual já tem 4 anos e a expectativa de Gomes, um dos organizadores, é crescer ainda mais.

A Vingança dos Nerds

Foto: Purki
No clássico da comédia, “Os Nerds Também Amam” de 1984, um grupo de amigos segregados e “bullyin-ados” resolvem assumir o controle e restaurarem sua paz e auto respeito.

O que parecia relegado ao esquecimento das Sessões da Tarde dos anos 1990, foi se indicando a partir da virada e é, hoje na segunda década do século XXI, uma realidade irônica e adorável: diversos artigos jornalísticos analisam a ascensão da cultura geek (termo atualizado para “nerds”) ao mainstream da cultura pop.

Na televisão, o The Big Bang Theory, de maneira divertida e leve, centraliza sua trama e personagens neste universo do cara tão estudioso, tão focado em seus gostos, mundo e, principalmente, em suas linguagens tão específicas (muitas vezes altamente sarcásticas) que - óbvio - eles são reclusos.

Foto: Purki
O interessante desta onda geek do novo milênio, é que – ao contrário das baboseiras dos anos 1980/90 em que o estereótipo nerd era do cara de óculos fundo-de-garrafa, eternamente apaixonado pela líder de torcida e babão melequento – os geeks sentem orgulho de serem o que são e, na verdade, olham com desdém para com os “normais” (no sentido literal de “sob a norma social”).

No cinema, os filmes baseados em histórias em quadrinhos são campeões certos de bilheteria, principalmente porque as produções pararam de tentar traduzir o universo geek para o público mainstream e, finalmente, resolveu tratar o verdadeiro leitor de quadrinhos como adulto e consumidor rentável. A última década trouxe clássicos como Batman, O Homem-Aranha e os X-Men repaginados para o cinema de maneira mais fiel possível ao material original. Tal público consumidor tem se mostrado tão forte que, se antes era descaradamente ignorado pelas grandes produtoras cinematográficas, hoje, em feiras como a Comic Com (a maior do mundo no gênero – em San Diego, Califórnia) o sucesso de um filme é essencial para a garantia de seu lançamento. É o suprassumo da vingança dos nerds.

Mentira! O auge foi quando certo CDF de Harvard levou o pé na bunda da namorada e criou uma rede social que passaria a ser a maior do mundo. Só que essa história é um tanto azeda e nem merece ser destrinchada.

Foto: Purki

A estudante de Engenharia Florestal e uma das organizadoras da Geek Party (festa que acontecerá no próximo mês, mas teve sua prévia no Henshin 2012) Gabriela Sande me dá uma dica sobre este atual sucesso da cultura geek: a explosão tecnológica. “Os geeks ou nerds são pessoas fanáticas por tecnologia, pelo o que é novo,” diz. A atenção que a temática geek recebe, se firmando, inclusive, como uma moda cultural, está organicamente interligada à atual lógica de consumo, na qual o lançamento de um novo modelo de iPhone causa alvoroço e excitação coletiva – algo como um fetiche pela novidade tecnológica.

Sande continua, “isso liga o Oriente ao Ocidente pelo fato de que o Oriente é um dos grandes pólos de tecnologia e é de lá que surgiram muitos dos principais jogos como Super Mario, Mortal Kombat, Street Fighter – então, essa tecnologia acaba ligando um mundo ao outro.”

Contudo, se há algo que não precisa ir muito além do senso comum para saber é que modas são passageiras. Então, estariam os geeks fadados ao mesmo destino descartável das tecnologias que mudam – com permissão da hipérbole – à velocidade da luz? Eu diria que não. Desde os anos 1980, quando esse fetiche tecnológico começou a se desenvolver com os primeiros computadores domésticos e videogames, a cultura geek/nerd sempre esteve presente na vivência da cultura pop: à medida que placas-mães, bites e bytes passaram a fazer parte de nosso dia a dia, cresceu a curiosidade e interesse pelas mentes produtoras dessas coisas que nos proporcionam novas ideias, sonhos, interfaces, realidades - antes era com escárnio e preconceito, agora com admiração e variadas pontadas de inveja.

Portanto, se hoje somos todos viciados, neuróticos e paranoicos pelas novidades tecnológicas – e a tendência é piorar – o nerd recluso e tímido tem um bom tempo à frente no topo da cadeia alimentar das regras, interesses e redes sociais (trocadilho intencional).

E, finalmente, a verdade é que essa galera está se esbaldando! Eles agora são o centro das atenções, mesmo com toda nossa discriminação. Isso era nítido nos olhos e comportamentos da população do Henshin 2012. Para Gabriela Sande, isso é ótimo por abrir espaços de troca e aumentar as possibilidades de acesso a materiais que, há alguns anos, eram difíceis, quiçá impossíveis, de adquirir.

Ao fazer o balanço do evento deste ano, Erick Gomes se demonstra feliz com a transformação dos geeks em direção à luz: “a gente tem que estar sempre aberto para atender e receber vários tipos de modificações que ocorrem no mundo”.

E a cultura otaku é uma delas: ela se expande, evolui  e atende ao seu henshin call.

Foto: Purki

**

O Henshin 2012 aconteceu na Instituto Educacional Euclides Dantas, em Vitória da Conquista, nos dias 01 e 02 de setembro.

1 comentários: