domingo, 22 de julho de 2012

Vaca Amarela


Por Lucas Oliveira Dantas

2º Painel do Enecom-DF: "Disputa Institucional e Papel do Estado".
Fonte: Instagr.am
Se houvesse um Grupo de Estudo e Trabalho (GET) no Encontro Nacional de Estudantes de Comunicação (Enecom), chamado “Vaca Amarela – Quem Falar Primeiro…”, certamente todo mundo comeria a bosta da vaquinha. Mas como esperar menos de estudantes de comunicação de todo o país, reunidos num lugar só, por oito dias? Silêncio, a gente não vê por aqui. E como, quem muito fala pouco ouve, não é surpreendente que no Enecom, ruído fosse um dos aspectos comunicativos principais.

Dentro de qualquer militância, o discurso é algo de prima importância. Sendo assim, a realidade pode ser contraditória. Algumas das pautas de reivindicação da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação (Enecos) discutem a respeito da democratização da comunicação e a descriminalização dos movimentos sociais. Em linhas gerais, este último é a realização de que a mídia tradicional do país tende a tratar os movimentos sociais como criminosos/terroristas contra a ordem social; a primeira, que era o tema do encontro deste ano, dá conta da noção de que a comunicação é um direito humano e a lógica atual de concessões e habilitações, especialmente para rádio e televisão, dificultam o direito de a sociedade, especialmente as parcelas marginalizadas, se comunicar e dar sua própria versão dos fatos, com suas próprias vozes.

Eis que contraditoriamente, no Enecom 2012 uma série de ruídos colocaram em cheque as intenções e discussões da executiva.


“Tabela da Pegação” e o preconceito nosso de cada dia

Na história recente dos encontros, há a “tabela da pegação”, na qual cada delegação atribui pontos (geralmente de 10 a 100) para os outros estados e, assim, quem ficar com determinada pessoa, recebe o número de pontos concernentes à naturalidade da mesma. Os critérios para tal pontuação variam desde a distância entre o estado e a dada delegação (ou mesmo a sede do encontro), ao tamanho da delegação do estado (quanto mais gente, menor a pontuação) ou a pura e simplesmente complexa subjetividade.

Foi aí que deu bafão.

Logo no primeiro dia ouvi colegas indignados porque a Bahia valia apenas 30 pontos (ou menos) em delegações como a paulista e a sulista. Claro que mexe com o ego quando seu valor é tão baixo, mas para um jogo em que as regras nunca são bem definidas, levar a sério tal brincadeira é não saber escolher suas batalhas.

Daí, as subjetividades começaram a ser expressas; vou apenas dar os exemplos baianos. Certa manhã, um garoto capixaba comentava com o colega que havia conhecido uma menina linda e ótima, mas que se decepcionara ao saber que ela era baiana…

VACA AMARELA...

Uma amiga tomava banho e ouvira duas garotas sulistas conversando na fila. Uma delas disse que gostaria de conhecer todo o Brasil, exceto a Bahia: “quero distância daquele BURACO NEGRO” [!!!!!!].

…CAGOU NA PANELA…

Numa noite bem bêbada e louca numa cultural, uma gata mato-grossense elogia meu cabelo, meu estilo e pergunta de onde eu sou. Vitória da Conquista. “Ahh na Bahia, né? Nossa, mas tem uma galera tão feia de lá!”
…QUEM FALAR PRIMEIRO COME TODA A BOSTA DELA!

A papagaiada do ato pela democratização da comunicação

Pré-Ato
Fonte: Instagr.am
Dias depois, com razão, a delegação baiana realizou uma mística durante o jantar na qual se declarava indignada com as expressões de preconceito e discriminação em acontecimento no Enecom 2012. Obviamente, baianos não estão acima de qualquer contradição, ninguém nunca deixou de fazer piada de gaúcho viado, carioca ladrão e paulista fresco. Mas desta forma, o caso Bahia estendeu a discussão para toda a população encontrista na Universidade Nacional de Brasília.
Preconceitos são mecanismos de defesa naturais do ser humano, baseados em sua construção social. Sua expressão e manutenção através de discursos e atitudes discriminatórias é que devem ser erradicados e – num encontro em que se discutia principalmente a democratização dos meios de comunicação, o combate às opressões e criminalização dos movimentos sociais – tais falas não eram apenas absurdas como, provavelmente, chocantes. Como essas pessoas tinham capacidade de discutir e defender tais temas, quando na prática soltavam tanto excremento pelas bocas?

Fim do Ato na Rodoviária do Plano Piloto.
Fonte: Instagr.am
A coisa ficou escancarada no ato público pela democratização da comunicação, ocorrido na quinta-feira (19), saído da porta do Ministério das Comunicações – onde foi entregue uma carta redigida pela Enecos e o Coletivo Intervozes pautando exigências como um novo marco regulatório nas comunicações, dentre outras coisas – passando por toda a Esplanada dos Ministérios e culminando na Rodoviária do Plano Piloto.

Logo no pré-ato a coisa parecia forçada e fake, com gente de cara pintada e garotas de peitos de fora, estrategicamente pintados a la Lady Gaga – todos esses clichês de manifestações populares da última moda europeia. Os gritos de guerra eram rimas legais (“Oh Rede Globo, TV otária! Criminaliza a Reforma Agrária!”) e até interessantes, mas ao olhar as caras ao redor e lembrar os acontecimentos da semana eu não conseguia parar de pensar na contradição e hipocrisia daquilo tudo.

Chegando ao Ministério, cada grupinho se manteve separado nos seus quadrados – exatamente como no ginásio – e os assuntos variavam desde o clima seco insuportável da capital federal à ressaca da cultural da noite passada que terminou às 4h da manhã. Quando a coisa começou, todos os blocos se juntaram, dando a impressão de uma só massa empelotada que mal conseguia se ouvir. Com exceção de poucos manifestantes, em que se via nos olhos e no saltar das veias a real militância, o ato parecia o clímax de um pacote de férias Enecom: “Uma semana excitante na qual se dorme no chão, come comida de qualidade dúbia, se discute assuntos pelos quais você mal se importa e ainda participa de manifestação!”

Atravessei para o outro lado da longa Esplanada dos Ministérios e comi um dos pastéis mais deliciosos de toda a minha vida.

Fazendo a mea culpa

Em conversa com Iajima Selena, estudante de Comunicação Social – Rádio e TV na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), militante e uma amiga das mais queridas que fiz em encontros estudantis, pude ouvir a indignação e cansaço em sua voz.

Ela reproduzira para mim um comentário bem contundente de um amigo seu, sobre o movimento estudantil que, por sua jovialidade, quer abraçar o mundo e tratar de todas as causas. Ela tirava por ela mesma, que além de militante da Enecos, milita em uma série de outros movimentos sociais.

Para Iajima, seria muito fácil fazer como muitos vinham fazendo ao longo da semana e culpar a comissão organizadora do encontro pelas falhas e micos do Enecom-DF. Minha admiração e carinho por ela cresceram quando ela assumiu que, enquanto membros ativos da executiva, a responsabilidade era de todos.

Assim como as largas avenidas de sua sede, Brasília, o Enecom-DF, muitas vezes, parecia longo e distante. Cada delegação em sua própria sala, com pouca interação e uma dificuldade muito grande de transpor as distâncias e diferenças. Pensar dessa forma, porém, facilita pôr a culpa no anfitrião e, na lógica da Executiva, todos são responsáveis pelo encontro. Iajima, então, pontua que a responsabilidade também recai nas delegações que, ao longo da semana, deixaram claras as falhas nos movimentos de base e na disseminação do entendimento daquele espaço para os seus membros. Foram delegações volumosas, o que parece excitante e de grande valia para a Executiva, mas, a maioria das pessoas não tinha profundidade nos assuntos e lutas defendidas pela Enecos. Portanto, não era de se surpreender a naturalidade com que certos preconceitos eram proferidos, nem mesmo a superficialidade do ato do dia 19.

Mas, no balanço geral, segundo a própria Iajima, foi um bom encontro, pois a Executiva recuperou o contato com regiões que há tempos andavam afastadas, como o sul, sudeste e centro-oeste, além de reassegurar a militância mais tradicional do norte-nordeste. Ou seja, os vastos solos que foram para Brasília, mesmo apresentando irregularidades, não se mostraram inférteis, nem muito menos saíram de lá sem sementes.

De maneira interessante, o próximo encontro nacional acontecerá em Teresina-PI, onde se discutirá a qualidade da formação do comunicador – algo essencial a ser colocado, depois de um encontro em que as contradições entre debates e práticas foram expressas com grande evidência. Espera-se, portanto, que os membros da Enecos, novos ou tradicionais, para evitar o ruído, brinquem mais de vaca amarela.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. "Este comentário foi removido pelo autor."

    Opressão nos comentários, a gente também vê por aqui.

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  3. Querida "Oi", quem removeu o comentário de "Glória Irulegui" foi a própria. Caso houvesse sido alguém da nossa equipe ele desapareceria, ao invés de aparecer a mensagem "Este comentário foi removido pelo autor". Neste caso, o autor é o do comentário.

    Além do mais, O Rebucetê não remove comentários desde que eles estejam dentro do respeito mútuo.

    Mesmo removido, tivemos acesso ao comentário do topo, pois recebemos todos os comentários do site via email, e não havia nada demais nele do que a expressão de um pensamento e opinião, assim como o texto que o motivou. Se o autor do comentário, posteriormente achou que deveria se auto-oprimir, está longe da nossa alçada julgar ou exercer algum poder sobre.

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