domingo, 25 de março de 2012

Orlando Furioso abrasileirado


Por Mariana Kaoos

Orlando Senna/ Foto: Thaminy Gomes
Em meados do século XVI, mais precisamente em 1516, o escritor e poeta italiano Ludovico Ariosto lançou para o mundo seu clássico Orlando Furioso, poema épico que conta uma história de amor e loucura, na qual o guerreiro Orlando deixa o exército cristão de Carlos Magno a procura de Angélica, bela princesa oriental (se você também notou uma pequena semelhança com Dom Quixote, saiba que Orlando Furioso era uma das obras preferidas de Miguel de Cervantes). Nessa busca que o enlouquecerá, ocorrem diversas situações não só com ele, mas com todos os personagens do poema, que estão sempre à procura de miragens.

Já em meados do século XX, outro protagonista chamado Orlando, só que dessa vez em vida real, “nasce” para a cultura do país. Dessa vez sem princesas ou histórias de cavalaria, mas com os mesmos contratempos que qualquer guerreiro acaba encontrando no meio do caminho. Orlando Senna é  um cineasta baiano que já rodou filmes como “Diamante Bruto” e “Giritana”, trabalhou em roteiros como "Ópera do Malandro", “Quincas Berro D’água” e "Coronel Delmiro Gouveia", dirigiu a Escola de Cinema em Cuba e se destaca como um dos maiores pensadores vivos do país. Ao vir a Vitória da Conquista para apadrinhar o curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Orlando bateu um papo com O Rebucetê, falando um pouco dos contratempos da contemporaneidade.

O Rebucetê: Todo mundo sabe que as instâncias de poder do país influenciam diretamente na distribuição da cultura no Brasil. Na última segunda-feira, 19 de março, vários artistas e intelectuais escreveram um documento pedindo a saída da ministra Ana de Holanda do Ministério da Cultura e sua substituição pelo diretor do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, ou pela atriz e cineasta Carla Camurati. Qual o posicionamento do senhor em relação a isso?

Orlando Senna: O Ministério da Cultura no governo Dilma está passando por dificuldades evidentes, que vai desde ter uma oposição muito forte por parte dos trabalhadores culturais, até uma oposição politica partidária contra a permanência de Ana de Holanda no MinC. Por outro lado, também fica cada dia mais claro que a presidenta Dilma Rousseff não tem muita disposição de fazer alguma mudança no momento. Então, se isso é uma realidade, acredito que o caminho seja outro que não apresentar candidatos ao Ministério, mas sim encontrar formas em que haja uma militância coletiva, que a própria sociedade faça ou promova algum tipo de reencaminhamento na política cultural. As maiores críticas que são dirigidas a Ana de Holanda e por tabela ao governo Dilma é exatamente o fato de haver indícios de que o grande projeto cultural de Lula foi interrompido ou que está sofrendo mudanças que a sociedade ainda não sabem quais são. Acredito que os anseios passem por aí, se o projeto cultural de Lula, incluindo a questão audiovisual que passou a ser admirada e seguida em toda a América Latina, irá ter procedimento ou não.

OR: Então o senhor acredita que a sociedade brasileira está consumindo mais cultura?

OS: A sociedade brasileira é uma sociedade em evolução econômica e cultural. Logo, a necessidade de ter mais cultura à disposição, de possuir um maior acesso às manifestações culturais que aumentam dia a dia.

OR: De alguns anos para cá, o cinema argentino tem se sobressaído com alguns filmes como “O segredo dos teus olhos” e “A menina santa”, histórias que trazem uma maior reflexão ao público. O senhor acredita que os filmes comerciais brasileiros também trazem ao público reflexões ou são instrumentos meramente de entretenimento?

OS: Eu tenho muita dificuldade em fazer essa divisão de filmes comerciais e não comerciais, meu entendimento é curto sobre isso. Acredito que todo filme é uma expressão cultural. Ele pode ter mais ou menos dinheiro na sua feitura, pode ter mais ou menos inspiração, pode ter melhores intenções ou intenções não tão maravilhosas assim, mas essa divisão de filmes comerciais e não comerciais sempre atrapalhou os nossos cinemas e quando me refiro aos nossos cinemas quero dizer aos que estão abaixo do Equador, o cinema do hemisfério sul. Você mencionou “A Menina Santa”, da diretora Lucrécia Martel, e eu pergunto, é um filme comercial ou não? É um filme de autoria, com uma reflexão profunda, mas que foi um dos maiores êxitos de bilheteria na Argentina. Então, acredito que na verdade o que existe sempre em relação a isso é o que o autor, o artistas, o cineasta quer passar, quer dizer à sociedade.

OR: O senhor, em meados da década de 1970, começou a rodar um filme chamado “69- A Construção da Morte”, que foi destruído por questões da ditadura, mas também devido à perda do copião. Com as novas tecnologias de hoje se tornou mais fácil produzir e preservar filmes?

OS: Sim, evidentemente. O grande salto, a grande revolução foi a digitalização, a leitura eletrônica. Com isso, além de democratizar a realização audiovisual e baratear, digamos essa produção e essa atividade, também democratizou no sentido do consumo. Hoje é muito mais fácil ver filmes do que era há 10 anos. Eu acho que estamos vivendo uma nova história do audiovisual e isso dará resultados no que se refere à própria tecnologia, bem como às próprias linguagens audiovisuais. Há algum tempo seria até pecado falar em linguagens audiovisuais no plural porque existia apenas uma linguagem. Existia isso de querer separar linguagem cinematográfica da televisiva e assim por diante, mas era tudo uma coisa só. Com o advento da digitalização do cinema, da televisão, das músicas, é possível, sem heresia, falar da multiplicidade de linguagens audiovisuais e isso é algo que os velhos cineastas nem imaginavam.

OR: Vitória da Conquista é a terra de Glauber Rocha, um dos maiores cineastas que o país e talvez o mundo já teve, mas só agora, com mais de 30 anos após a sua morte é que a cidade está caminhando para se tornar um polo cinematográfico. Na opinião do senhor, qual a importância disso para a cidade?

OS: Primeiramente uma importância cultural e a partir dela uma importância econômica. Se começarmos a refletir sobre o que é a indústria audiovisual hoje em dia podemos chegar a respostas grandiosas e muito boas. Algo que pode aumentar a qualidade de vida da população de Vitória da Conquista, bem como da população de qualquer outro lugar que veja no audiovisual essa possibilidade, porque quando falamos isso atualmente não estamos mais falando sobre o velho cinema, o prazer que ele causa, nem sobre a arte ou a profundidade psicológica e filosófica que ele traz. Na verdade, estamos falando da maior economia do mundo. Então isso estabelece uma outra relação com o cinema, tanto no sentido regional quanto no sentido planetário. Acredito que o conceito que nos trouxe esse avanço do audiovisual foi exatamente a questão que se chama global e local ao mesmo tempo. Esses dois conceitos se interpenetram, não são diferentes.


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