quinta-feira, 8 de março de 2012

Mercado de trabalho x família: a mulher precisa mesmo definir uma só posição?

Fran Ribeiro 

Decidir entre dedicar-se à vida profissional ou a gerenciar a vida familiar? Escolher a carreira ou o mercado de trabalho ao invés da função de dona de casa, que antes era imposto às mulheres, hoje ainda não pode ser visto como uma “opção”. A mulher moderna, segundo o conceito da escritora russa e militante do movimento feminista, Alexandra Kollontai (1872- 1952), teve sua individualidade tecida a partir da necessidade de ter que sair de casa para trabalhar e garantir a sua sobrevivência e de sua própria família.


No livro A Nova Mulher e a Moral Sexual (Ed. Expressão Popular. 2011), a líder feminista denomina de “mulher celibatária” aquelas que conseguem romper a relação exclusiva de submissão aos afazeres do lar. Ainda segundo a obra, a mulher celibatária e independente, consegue se integrar nas relações de trabalho, pessoais, coletivas e com o seu papel na construção familiar. Essas relações, ditadas a partir da evolução e desenvolvimentos sociais, econômicos e históricos da humanidade.

Tratando então do conceito da mulher na sociedade contemporânea, vê-se aglomerar um número maior de mulheres que não se restringem a uma única posição, não se limitando a ser intitulada “guerreira do lar”. A mulher passa a ser guerreira da sua própria vida e de sua prole.
A jornalista, artista plástica, mãe de dois filhos e quase avó de uma, Goretti Brandão teve sua vida marcada por desafiar os estigmas impostos à mulher em uma sociedade formada por um sistema que sempre a excluiu. Participou ativamente do movimento pela democratização do país, junto a outras mulheres e homens, que se colocaram na luta diária pela igualdade e liberdade. Em entrevista a reportagem do Primeira Edição, Goretti analisou a forma que a mulher é vista em sua relação ao mercado de trabalho e a sua relação familiar.

Primeira Edição - Como você analisa essa relação da mulher no mercado de trabalho x família?
Goretti Brandão - Alexandra Kollontai coloca a questão do surgimento da mulher celibatária, dentro do contexto das transformações sociais, que empurraram a mulher para o mercado de trabalho. Nesse contexto há também um olhar sobre a igualdade entre os sexos e a exaltação à mulher, como capaz de engrossar as fileiras dos que produzem economicamente.
O fato de a mulher estar fora do mercado de trabalho, a mantinha na condição de apenas mantenedora do que o homem produzia. Produzir, gerar renda, significava ter o domínio sobre os outros membros da família. Às mulheres estava destinado o universo familiar, a casa e a educação dos filhos.
Arquivo Pessoal
Goretti Brandão
Entrar no mercado de trabalho significava quebrar os grilhões que mantinham nós, mulheres, nesta condição. Mas, ao deixar a casa para produzir economicamente, somos pegas por outras situações. Se observarmos as dinâmicas da sociedade moderna, onde a alma desta sociedade se chama mercado, à independência econômica da mulher se paga um preço altíssimo.
Porque a gente não pode confundir independência econômica com igualdade e muito menos como emancipação feminina. Não é. E a realidade produz exemplos todos os dias. Basta a gente se debruçar sobre os índices elevados de mulheres mortas, violentadas ou agredidas pelos homens.
Acredito que tenhamos caído em uma armadilha, a partir do momento que nos tornamos escravas, assim como os homens, do sistema econômico atual. Ao entrar no mercado de trabalho, a mulher atual acumula um peso enorme de funções, que entram em contradição. Você trabalha para ajudar no sustento de uma família que ao mesmo tempo entra em decadência. O que está errado, afinal? Saímos de uma condição de submissão no lar, para outra não muito diferente. E com a ilusão de que temos igualdade.
PE – A mulher, que se desenvolveu junto à evolução econômica e histórica da sociedade, precisa mesmo definir entre limitar-se ao mercado de trabalho ou a família?
G.B - O que a mulher precisa definir é a sua condição e a sua importância dentro dessa coisa toda. Avaliar que tipo de evolução econômica e que história sobre ela está sendo escrita e se essa evolução e essa história são satisfatórias, observar a realidade. Dentro dos moldes das leis que fazem o mercado funcionar, não resta opção para a mulher, que se vê obrigada a trabalhar, em detrimento da manutenção familiar. Não há tempo para a mulher estar produzindo e estar cuidando da casa, dos filhos... Eu escolhi criar os meus filhos, em primeiro lugar, e depois partir para o mercado de trabalho. Não me arrependi. Até porque é preciso enxergar as armadilhas da realidade. É uma maneira de encontrar um caminho do meio para trilhar. Mas cada mulher precisa encontrar esse 'lugar' de conciliação. O que não é fácil.
Acho que quando se tem consciência do mundo em que vivemos, e quando somos capazes de analisá-lo, temos chances de fazer nossas escolhas e definir esses lugares. É como caminhar contra a correnteza e quebrar esses novos grilhões.
Por que 8 de março?


Em 1910, durante o II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, a ativista alemã Clara Zetkin (1857-1933), membro do Partido Comunista, propôs a criação do Dia Internacional da Mulher, porém sem uma data específica. No ano seguinte, em 1911, depois de uma série de greves mobilizadas por mulheres e homens exigindo melhores salários, redução da jornada de trabalho – que na época podia chegar a 16h diárias, incluindo os domingos -, durante um dia de trabalho, um grande incêndio tomou conta das instalações da Triangle Shirtwaist Company, na cidade de Nova Iorque. Os tecidos espalhados por todos os lados, pisos de madeira e as péssimas instalações elétricas contribuíram para que o fogo se alastrasse de forma rápida, matando 146 pessoas, sendo 125 mulheres e 21 homens.
Internet
Alexandra Kollontai (1872-1952)

Nos anos seguintes a essa tragédia, que ficou marcada pela luta de melhorias trabalhistas, entre os anos de 1912 a 1914, países como a Suécia, os EUA, Alemanha e a Rússia, passaram a comemorar o Dia Internacional da Mulher, todos sem datas definidas. Em 1914, a Secretaria Internacional da Mulher Socialista define o 8 de março como o dia “D” para as manifestações, porém em alguns países, as comemorações eram censuradas pelas ditaduras.

Apenas em 1975, o direito à manifestação pública foi consagrado quando a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher. Desde então, as manifestações e as celebrações das conquistas realizadas por mulheres como Clara Zetkin, Alexandra Kollontai, Clara Lemlich, Rosa Luxemburgo, Berta Lutz, são lembradas e diariamente, reforçadas por aquelas mulheres que continuam a luta pela igualdade entre os gêneros e a liberdade de ser mulher.

Matéria originalmente postada no site Primeira Edição.

2 comentários:

  1. ...será que a mulher precisa apenas definir uma posição? cuidar da família, seguir seus ditos postulados biológicos ou seguir uma profissão, construir carreira, trabalhar?
    Na verdade eu acredito que a realidade irá moldar a posição dessa mulher; ela pode escolher cuidar da família, mas não alcançar meios para isso, ou pode trabalhar e ser ainda sim uma mãe, companheira presente, ou pode não ter nada disso... desejo que as mulheres possam ter a possibilidade de escolher que posição tomar, que elas sejam protagonistas disso tudo... que sejam mulher na sua própria vida.

    "Não se nasce mulher, torna-se" como já dizia Simone de Beavoir.

    Gostei das colocações... boa reportagem.
    E desse blog eu gostei tbm, parabéns a vcs que o constoem.

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