domingo, 4 de dezembro de 2011

I Kissed a Girl ... Like a Dude

Por Verônica Alcântara

Há pouco tempo tive contato com “Who You Are”, álbum da cantora britânica, Jessie J. Passei um mês ouvindo-o e uma semana escutando. Durante meu período de escuta, uma música chamou minha atenção: “Do it Like a Dude”, single de estréia da artista no mercado pop. Logo que escutei a canção de J., lembrei imediatamente da música “I kissed a girl” da americana Katy Perry e foi inevitável não relacioná-las.

Número um na Billboard Hot 100 e disco de Platina no Brasil, “I Kissed a Girl”, debut de Perry na indústria fonográfica, foi e continua sendo apontada como um hino lésbico:



“I Kissed a Girl” está muito longe de ser um hino lésbico. A melhor definição para o conjunto da obra (música e videoclipe) é a de mais um produto subjetivador da homossexualidade feminina.


Mais um produto, porque desde sempre a sociedade destrói, inibe e persegue quaisquer referências à vida lésbica, através, principalmente, do processo de invisibilização. Uma das práticas mais comuns é a associação da relação sexual entre duas mulheres ao fetiche hétero masculino, reforçando cada vez mais a ordem heterossexista social predominante.

No videoclipe de “I Kissed a Girl”, um fator interessante, mas não muito relevante, é ausência de imagens que retratem o tema principal do vídeo: o beijo ocorrido entre duas mulheres. O clipe consiste somente em garotas vestidas com trajes íntimos, exaltando a feminilidade, se tocando e posando sensualmente para as câmeras. É um choque socialmente consentido, ou seja, subverter, desde que não perturbe por demais a ordem do discurso social dominante, para não correr o risco de criar algo repulsivo e não rentável.




Predominância do rosa, branco e vermelho, no clipe, reforça a fragilidade feminina, que também pode ser percebida na letra: 


                   Us girls we are so magical                        Nós garotas somos tão mágicas 
             Soft skin, red lips, so kissable          Pele macia, lábios vermelhos, tão bom de beijar
               Hard to resist, so touchable                    Difícil de resistir, tão gostosos de tocar             Too good to deny it                                     Bom demais para ser negado 
Ain't no big deal, it's innocent                             Não é grande coisa, é inocente


A música reproduz o discurso da relação homossexual como ato imoral, a fim de apontá-la como rebeldia e não algo verdadeiro, natural de se ocorrer.


It's not what good girls do                 Não é o que boas garotas fazem
Not how they should behave             Não é como elas devem se comportar
My head gets so confused                       Minha cabeça fica tão confusa
Hard to obey                                        Difícil de obedecer


[…]

    It felt so wrong, it felt so right                   Pareceu tão errado, pareceu tão certo  
            Don't mean I'm in love tonight               Não significa que estou apaixonada essa noite


Diferente de Perry, a britânica Jessie J. fugiu um pouco dessa pseudo-subversão, quando surgiu em novembro de 2010, com “Do it Like a Dude”. Soando mais agressiva do que “I Kissed a Girl”, a música de J. tem uma harmonia pesada, tanto na parte instrumental quanto na sonoridade vocal. As cores utilizadas no videoclipe, preto, azul e vermelho, contribuem na composição carregada de um comportamento feminino repulsivo no que tange as normas sociais.




Ao se apresentar, logo na segunda estrofe, como um ser estranho, um alienígena -possível imagem atribuída aos adeptos da multiplicidade das relações humanas pelos defensores da heteronormatividade – há uma proposta de findar a diferenciação entre comportamento masculino e feminino pré-estabelecidos pela organização patriarcal.


Flyin' flyin' flyin' flyin' through the sky                   Voando voando voando voando pelo céu
In my spaceship                                                      Na minha nave espacial
I'm an alien tonight                                         Eu sou uma alienígena essa noite

É importante ressaltar a ambiguidade na composição de “Do It like a Dude”. A música pode ser interpretada tanto como um produto machista que define o feminino baseando-se no masculino quanto algo que desconstrói a formatação social da mulher como “o outro sexo” ou “sexo frágil”.


I can do it like a brother                                         Posso fazer isso como um mano
Do it like a dude                                                      Fazer isso como um cara
Grab my crotch,                                                            Segurar meu saco,
wear my hat low like you                                 usar meu boné pra baixo como você

[…]

Boom Boom, pull me a beer                              Boom Boom, manda uma cerveja
No pretty drinks, I'm a guy out here                 Sem bebidas com frescura, sou um cara aqui

Ao retratar mulheres com comportamento masculino, compreendo muito mais a intenção de causar estranhamento do que reproduzir a subordinação da mulher ao homem. Isso, porque a primeira reação do indivíduo ao se deparar com algo que desconhece é tentar associá-lo a algo com que esteja familiarizado a fim de chegar a uma compreensão. O desconhecido, no caso de J., seria a destruição da formatação social masculina e feminina para o surgimento da liberdade de definição, ou seja, o homem e a mulher cedem lugar ao sujeito. Por isso a obra de J. me parecer muito mais um hino lésbico pop do que a de Perry.

Assim como “I Kissed a Girl”, as mulheres de “Do it Like a Dude” posam para a câmera e dançam, entretanto seus movimentos são bruscos e duros, continuam eróticas, mas não para a lógica heterossexual. Estão suadas, fumam charutos, usam roupas folgadas, bonés e cabelos com corte moicano, afastam-se do erotismo feminino construído pelas normas sociais e da mulher como objeto disponível ao prazer masculino.

Considero a presença do beijo lésbico em “Do it Like a Dude” muito mais falha do que a ausência dele em “I Kissed a Girl”. Neste, a cena não é necessária, porque a narrativa ocorre após acontecido o beijo, seria uma tomada descartável. Já no vídeo de Jessie J. o beijo surge completamente desconexo a proposta do videoclipe. São três minutos de dykes, butchers e truckers em cena, no entanto o beijo acontece entre duas femmes  loiras, que aparecem no vídeo somente para essa função. Ainda assim, “Do it Like a Dude” consegue superar “I Kissed a Girl” ao retratar a homossexualidade feminina.

Enquanto Katy Perry se preocupa com o que irão pensar por ter transgredido normas, Jessie J. age como melhor lhe convier. As mulheres de “I Kissed a Girl” estão preocupadas em cumprir com o comportamento esperado delas pela sociedade, já as de “Do it Like a Dude” recusam a se definirem em relação aos homens, daí a razão para considerá-la um hino pop lésbico.

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